Os desafios atuais da enfermagem na prevenção de Lesão por Pressão.

OS DESAFIOS ATUAIS DA ENFERMAGEM NA PREVENÇÃO DE LESÃO POR PRESSÃO.

A lesão por pressão (LP) é definida como uma lesão que acomete uma região de pele e/ou os tecidos próximos a esta região, decorrente de uma pressão não aliviada superior a tolerada pelos capilares sanguíneos. Este agravo é comum em pessoas que sofrem redução de sua percepção sensorial associada ou não a um rebaixamento do nível de consciência. Nestes casos, a capacidade de alívio de uma pressão elevada ou de um desconforto em alguma região corporal é prejudicada e, deste modo, este paciente dependerá de orientações assertivas sobre a prevenção desta lesão, assim como de cuidados de enfermagem1.

Uma área comumente afetada por esta lesão são as regiões de proeminências ósseas, todavia, a pele, os tecidos e as mucosas próximas à locais com dispositivos médicos também podem ser acometidos e, nestes casos, a pressão decorre do dispositivo médico1.

Quanto à epidemiologia, podemos dizer que ela é variável e depende do contexto ao qual o paciente se encontra. Em ambientes hospitalares, identifica-se uma prevalência de 16% a 29%, a depender do setor de internação do paciente e, taxas de incidência de aproximadamente 24,3% em pacientes internados em enfermarias clínicas2-3. Em setores críticos, estudo brasileiro encontrou uma incidência de 20,6%4. Já em pacientes de serviços de atenção domiciliar, é possível encontrar a prevalência encontrada em uma pesquisa brasileira foi de 21,7%5.

Diante dos dados epidemiológicos, pode-se identificar que esta lesão é um problema de saúde pública, sendo que esforços têm sido conduzidos para a redução do surgimento desta, tanto no contexto extra-hospitalar, como no intra-hospitalar. Internacionalmente, criou-se diretrizes sobre este tema através de um grupo de especialistas de diversos continentes1. No Brasil, desde 2013, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), implantou o Programa Nacional de Segurança do Paciente e, no âmbito deste programa, a redução das lesões por pressão insere-se como uma das principais metas de segurança do paciente6.

Enquanto meta de segurança do paciente, entende-se que, a ocorrência de LPs que acometem tecidos mais profundos, como as de categorias 3 ou 4, são consideradas eventos adversos graves, os chamados “never events” – ou seja, eventos decorrentes da assistência à saúde que nunca deveriam acontecer e não estão relacionados a evolução da doença de base do paciente. De maneira comparativa, a ocorrência de uma LP de categoria 3 ou 4 é tão grave quanto a realização de uma cirurgia em um paciente errado6.

Cabe ressaltar que o surgimento destas lesões acarreta aumento dos custos de internação, piora clínica substancial dos pacientes, aumento do tempo de internação, maior demanda de cuidado para as equipes assistenciais e podem levar ao óbito devido à complicações como a sepse7.

Diversas medidas preventivas são preconizadas para reduzir o desenvolvimento deste problema de saúde, sendo algumas destas estratégias: a realização de alívio da pressão e/ou redistribuição da pressão com a prescrição de horário avaliada individualmente; o posicionamento adequado do paciente no leito, com redução da elevação da cabeceira acima do nível de 30 graus; o uso de coxins para alívio da pressão em regiões de proeminências ósseas; adoção de colchões com densidade adequada e com espumas reativas ou colchões pneumáticos com células grandes para pacientes com LPs já instaladas ou em risco de desenvolver LPs; realização de hidratação da pele; realização de cuidados adequados para o manejo da incontinência incluindo o uso de cremes barreira ou películas conforme apropriado, entre outros1.

Além das medidas citadas, alguns dispositivos são contra indicados por comprovadamente não trazerem benefícios, como: luvas cheias de água ou ar, almofadas com orifícios centrais e sacos ou fluidos cheios de água1. Mas, pesquisas recentes demonstram que na prática assistencial estes dispositivos ainda são utilizados pela equipe de enfermagem ou são reconhecidos como eficazes para a prevenção das LPs8-9.

Diante dos achados destes estudos, questiona-se: por qual motivo ainda se identifica na prática assistencial o uso destes dispositivos inadequados? Por que a equipe assistencial ainda posiciona o paciente com um grau elevado de sua cabeceira? Qual o motivo destas informações não estarem claras ou não terem sido divulgadas para as equipes assistenciais? Qual o papel da Educação Permanente em Saúde neste contexto? E o papel das universidades frente a esta realidade?

Muito provavelmente, esta não seja a realidade de alguns grandes centros Brasileiros, contudo, se pensarmos no Brasil como um país de dimensões continentais, infelizmente poderemos encontrar uma realidade semelhante à dos estudos citados anteriormente. Verifica-se um enorme distanciamento entre a teoria e os avanços científicos e a assistência prestada ao paciente10. Nesta lauda não se pretende trazer a resposta para todas as perguntas, contudo, objetiva-se refletir sobre os desafios existentes em nosso país frente a redução da lesão por pressão.

A Educação Permanente em Saúde (EPS) tem a finalidade de intervir nos problemas de saúde acometidos pelas populações atendidas pelos profissionais. Quanto ao tema de LP, tanto no ambiente hospitalar como nos demais serviços de assistência à saúde este tema é pertinente pelas suas taxas de prevalência e incidência11.

 A troca de saberes defendida pelos autores desta educação envolve o incentivo e a promoção de um ambiente de diálogo, no qual os debates são conduzidos no cotidiano dos serviços, sendo voltados para a resolução dos problemas oriundos da prática e para a atualização dos profissionais, tendo o enfoque na reflexão das ações realizadas pelos atores e na mudança de postura e/ou prática assistencial se necessário11.

Além do papel fundamental da EPS para a mudança deste cenário, é oportuno ressaltar o importante desempenho das universidades na redução da distância entre o conhecimento e a prática assistencial. A academia, através dos docentes e discentes dos cursos de saúde, pode colaborar para a atualização de profissionais de enfermagem, articulando ações de ensino, pesquisa e extensão12.

Ressalta-se que este não é um problema de saúde restrito ao contexto hospitalar e, deste modo, é pertinente que na atenção básica os cuidados relacionados com a prevenção e orientação de pacientes com sequelas neurológicas ou motoras sejam realizados, sendo necessária a inserção deste tema na Graduação de Enfermagem não somente em disciplinas voltadas ao contexto hospitalar, mas, também em disciplinas voltadas à atenção básica de saúde, com o objetivo de aprimorar a atuação dos futuros enfermeiros frente ao atendimento do paciente com feridas nos diferentes cenários de saúde13.

Por fim, identificam-se vários entraves para que ocorra a redução deste evento adverso no Brasil, sendo que alguns nem foram elencados neste texto. Identifica-se o elevado potencial dos Núcleos de Segurança do Paciente, dos Serviços de Educação Permanente em Saúde e das Universidades como agentes de transformação e estabelecimento de um movimento voltado à mudança desta realidade 6,11-12.

Referências

1. National Pressure Ulcer Advisory Panel, European Pressure Ulcer Advisory Panel, Pan Pacific Pressure Injury Aliance. Prevention and Treatment of Pressure Ulcers: Quick Reference Guide [Internet]. Emily Haesler (Ed.). Cambridge Media: Osborne Park (Aus); 2019 [Acesso em 06 Out 2022]. Disponível em: https://www.epuap.org/download/11182/.

2. Barbosa JM, Salomé GM. Occurrence of pressure injury in patients hospitalized in a school hospital. ESTIMA, Braz. J. Enterostomal Ther. [Internet]. 2018 [Acesso em 06 Out 2022]; 16:e2718. Disponível em: https://doi.org/10.30886/estima.v16.523.

3. Jesus MAP, Pires PS, Biondo CS, Matos RM. Incidência de lesão por pressão em pacientes internados e fatores de risco associados. Rev. baiana enferm.  [Internet]. 2020 [Acesso em 06 Out 2022]; 34: e36587. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18471/rbe.v34.36587.

4. Constantin AG, Moreira APP, Oliveira JLC, Hofstätter LM, Fernandes

LM. Incidência de lesão por pressão em unidade de terapia intensiva

para adultos. ESTIMA, Braz. J. Enterostomal Ther. [Internet]. 2018 [Acesso em 06 Out 2022]; 16:e1118. Disponível em: 10.30886/estima. v16.454_PT.

5. Moro JV, Caliri MHL. Úlcera por pressão após a alta hospitalar e o cuidado em

Domicílio. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [Acesso em 06 Out 2022]; 20(3):e20160058. Disponível em: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160058.

6. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota técnica GVIMS/GGTES n° 03/2017: Práticas seguras para prevenção de Lesão por Pressão em serviços de saúde [Internet]. Brasília (DF); 2017 [Acesso em 06 Out 2022]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/2020/nota-tecnica-gvims-ggtes-no-03-2017.pdf/view.

7. Espejo E, Andrés M, Borrallo RM, Padilla E, Garcia-Restoy E, et al. Bacteremia associated with pressure ulcers: a prospective cohort study. European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases. [Internet]. 2018. [Acesso em 06 Out 2022]; 37(5): 969-975. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10096-018-3216-8.

8. Araújo CAF et al. Avaliação do conhecimento dos profissionais de Enfermagem na prevenção da lesão por pressão na terapia intensiva. Escola Anna Nery [Internet]. 2022 [Acesso em 6 Out 2022]; 26:e20210200. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0200.

9. Albuquerque AM, Vasconcelos JMB, Souza APMA et al. Teste de conhecimento sobre lesão por pressão. Revista de Enfermagem UFPE Online [Internet]. 2018 [Acesso em 6 Out 2022]; 12(6):1738-50. Disponível em: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i6a234578p1738-1750-2018.

10. Lazzari DD, Martini JG, Prado ML et al. Between those who think and those who do: practice and theory in nurse teaching. Texto & Contexto – Enfermagem [Internet]. 2019 [Acesso em 06 Out 2022]; 28:e20170459. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2017-0459.

11. Ministério da Saúde (Br). Portaria no 198, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

12. Vendruscolo C, Trindade LL, Krauzer IM, Prado ML. A inserção da universidade no quadrilátero da educação permanente em saúde: relato de experiência. Texto & Contexto – Enfermagem [Internet]. 2016 [Acesso em 06 Out 2022]; 25(1):e2530013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016002530013.

13. Baratieri T, Sangaleti CT, Trincaus MR. Conhecimento de acadêmicos de enfermagem sobre avaliação e tratamento de feridas. Rev Enferm Atenção Saúde [Internet]. 2015 [Acesso em 06 Out 2022]; 4(1):2-15. Disponível em: https://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/enfer/article/view/1259.

Jaqueline Aparecida dos Santos Sokem 
Enfermeira Estomaterapeuta TiSOBEST, Doutora em Saúde e Desenvolvimento pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Mestre em Ensino em Saúde pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Professora Adjunta da Universidade Federal do Mato Grosso – Instituto de Ciências da Saúde – Campus Universitário de Sinop/MT. 

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