O termo transição do cuidado, muito utilizado e estudado atualmente, se refere as ações que asseguram a gestão e a continuidade do cuidado no tocante à assistência à saúde prestada na transferência de pacientes entre os diversos serviços de saúde ou diferentes unidades de um mesmo local.
O cuidado domiciliar é a assistência em domicílio por onde perpassa todas as idades, desde as crianças até os idosos. A enfermagem domiciliar é uma especialidade que exige dos enfermeiros, um alto nível de conhecimento científico-tecnológico, de autonomia e de responsabilidade. O trabalho com os pacientes, familiares e equipe multiprofissional exige habilidade extrema para o seu relacionamento interpessoal.
Assim, a atuação do enfermeiro no tratamento de feridas vem ganhando cada vez mais visibilidade, devido aos resultados favoráveis nos prognósticos resolutivos de cura dos pacientes com feridas. O tratamento deixa de ser focado apenas na realização dos curativos, mas incorpora toda uma metodologia de assistência prestada como a avaliação do estado geral do paciente, exame físico direcionado a etiologia da lesão, escolha do tratamento e da cobertura ou correlato a ser utilizada, além do registro de enfermagem e projeção prognóstica.
O Enfermeiro Estomaterapeuta é o profissional adequado, ao prestar assistência a pacientes com estomias, fistulas, incontinências e feridas. As ações para o cuidado a pacientes com feridas normalmente são diárias, e precisam de assistência continuada mesmo após uma alta hospitalar. Por esse motivo é importante que o enfermeiro tenha uma boa comunicação com o paciente e sua família/cuidador para a transição ser a mais adequada para um cuidado de qualidade no seu domicílio.
Estudos mostram que as feridas são responsáveis por altos índices de morbimortalidade, sendo considerados problemas graves e de grande impacto na vida do indivíduo, pois são causadoras de dor, imobilidade, incapacidade, alterações psicossociais e alterações emocionais relacionadas à autoestima e autoimagem.
O enfermeiro Estomaterapeuta é o profissional capacitado e habilitado que está diretamente ligado ao cuidado de pacientes com feridas, e que deveria estar, por esse motivo, presente em todos os níveis de atenção à saúde para atender a essa clientela, desde a prevenção, avaliação e definição do tratamento, como para orientar e supervisionar a equipe durante a execução do mesmo e na reabilitação.
A primeira preocupação que o Estomaterapeuta deve ter com o paciente que está internado frente ao momento de sua alta, para o melhor processo de transição, é se assegurar que o estado clínico esteja estável, de forma a garantir o menor risco de reinternações. Essa transição ocorre em contexto que inclui o paciente, seus familiares e cuidadores, os profissionais que prestam atendimento e os que o continuarão. Portanto, é um processo complexo que exige coordenação e comunicação entre pessoas de diferentes formações, experiências e habilidades.
A alta hospitalar é um momento de mudanças que, por vezes, não são abordadas de modo eficaz durante a internação, proporcionando fragmentação dos cuidados. Assim, é importante que o profissional tenha planejamento, preparação e comunicação eficaz com o paciente e família/cuidador, principalmente com os idosos, em relação as orientações a serem fornecidas de forma que não sejam mecanicamente e apressadamente passadas, sem considerar as condições e as necessidades de cada paciente, e fornecidas não apenas no momento da saída do hospital, mas durante todo período de sua internação. Quando isso não acontece, muitas vezes, os familiares fingem que entenderam as orientações, sem tirarem suas dúvidas, gerando angústia e ansiedade, podendo resultar na não adesão ao tratamento.
A Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) criou em 2004 o Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC), traduzido e validado para o Brasil em 2013. Esse instrumento objetiva mensurar cultura de segurança entre profissionais de hospitais. Dentre as dimensões avaliadas estão a “passagem de plantão” e “abertura de comunicação”. Em um estudo em hospitais dinamarqueses constatou-se falhas de comunicação que foram evidenciadas nos mais diversos processos: 86% na transição do cuidado; 43% na comunicação entre os diferentes profissionais, 25% na comunicação entre profissionais da mesma categoria, mas de equipes diferentes. A falha de comunicação escrita é constantemente percebida nos hospitais do Brasil, segundo estudo de revisão integrativa. Percebemos como a comunicação é importante durante o processo de transição.
A qualidade nas transições do cuidado tem sido utilizada como indicador, sendo um dos componentes para avaliação de desempenho de hospitais.
No que diz respeito a equipe da Atenção Domiciliar frente a transição, que será responsável pela continuidade dos cuidados no domicílio, caberá avaliar as condições do paciente ainda na internação através da solicitação que deverá ser encaminhada para a possibilidade do atendimento.
O Estomaterapeuta é o profissional com conhecimento amplo e por isso sua comunicação é mais efetiva, podendo sanar dúvidas e traçar um planejamento terapêutico singular (PTS) adequado em conjunto com a equipe que trabalhará no domicílio. O contato com os diferentes níveis de serviços de saúde é de extrema importância para o processo de continuidade do cuidado, pois permite a obtenção de informações sobre o paciente, assim como, os dados clínicos e de tratamento, proporcionando assistência adequada em todos os níveis da assistência.
É fundamental, ainda, que o profissional conheça a situação de vida que esses pacientes estão inseridos fora do ambiente hospitalar relacionado com as doenças existentes, podendo isso interferir no êxito do seu tratamento. A realidade econômica dos familiares deve ser analisada, pois pode interferir diante do custo do tratamento perante quem paga a conta. Os aspectos sociais e culturais podem auxiliar positivamente ou interferir negativamente no cuidado, dependendo das variações relacionando à assistência necessária.
Quando todos esses aspectos são verificados adequadamente, promovem um cuidado holístico e de qualidade.
Conhecer a ação, forma e função dos produtos, substâncias, medicamentos e coberturas específicas para prevenção e tratamento desses pacientes é fundamental para melhor intervir nas alterações e intercorrências que possam acontecer, o que é facilmente exercido pelo Estomaterapeuta.
Todas as observações descritas facilitam a construção do plano de cuidados que atenda da melhor forma as necessidades desse paciente. Os desejos do paciente e/ou familiares, o impacto psicológico causado pela ferida e o suporte social disponível também devem ser considerados. É de suma importância, durante a avaliação, explicar ao paciente e familiares que o principal objetivo do curativo é o conforto, agilidade no processo de cicatrização quando possível, alívio de sinais e sintomas, e não apenas a cura da lesão, até porque nem sempre será possível, dependendo da etiologia.
No ambiente do cuidado domiciliar, é importante acompanhar a adaptação do paciente e sua facilidade para aceitar mudanças, bem como sua interação com a família, fundamentais para a retomada das atividades diárias.
O processo de transição, assim como a continuidade do cuidado hospitalar à paciente com feridas são temas poucos abortados e que enfrentam muitos obstáculos na prática clínica.
Alguns estudos apontam que o componente, chave para melhoria no processo de transição e continuidade do cuidado seria a melhora da comunicação entre as equipes multiprofissionais, assim como a efetivação da comunicação entre os pontos da rede de atenção à saúde.
A garantia de transições seguras e eficientes de serviços hospitalares para o domicílio está na melhoria da efetividade e da qualidade das transições do cuidado, especialmente nas condições crônicas de maior vulnerabilidade.
O Enfermeiro Estomaterapeuta vem desenvolvendo cuidado especializado no domicílio, atuando como elemento norteador de condutas. O desenvolvimento de habilidades vem contribuindo para melhorar a assistência à saúde, acarretando maior respeito e dignidade ao ser humano. Somadas ao profissionalismo, que inclui aspectos técnicos e comportamentais, poderá subsidiar a organização de serviços de Estomaterapia, voltados para a prevenção e o tratamento de feridas no domicílio.
Por fim, conclui-se que a comunicação é essencial nas relações humanas. Pacientes e profissionais têm papéis importantes nesse processo, os quais devem ser incentivados e valorizados, modificando o cuidado para torná-lo, sobretudo, centrado no paciente.
Referências
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Soraia Rizzo
Enfermeira Estomaterapeuta, sócia proprietária da SkinHealthy — atendimento
domiciliar em Estomaterapia e Primeiro Tesoureiro da Associação Brasileira de
Estomaterapia -SOBEST ®