Transfobia e Saúde Pélvica: Uma Relação Invisível, mas Real

Transfobia e Saúde Pélvica

A transfobia é o termo que se refere a atitudes e comportamentos de aversão, discriminação ou violência direcionados a pessoas transgênero, ou seja, aquelas cuja identidade de gênero difere do sexo atribuído ao nascimento. Essas ações podem se manifestar de diversas formas, incluindo violência física, verbal, psicológica ou moral, resultando na marginalização e exclusão social dessas pessoas.

A liberdade e a segurança para utilizar banheiros públicos podem não ser percebidas como um privilégio por pessoas cisgênero, aquelas que se identificam com o sexo atribuído ao nascimento. No entanto, para pessoas trans, esse privilégio invisível é frequentemente negado, devido ao risco de violência e discriminação ao utilizarem esses espaços.

A relação do problema social da transfobia com a atuação dos profissionais de saúde, incluindo a especialidade de Estomaterapia, está no fato de que adiar a micção diante de uma vontade persistente de urinar pode levar ao desenvolvimento de disfunções do assoalho pélvico e condições associadas, como incontinência urinária, infecções do trato urinário, dor pélvica crônica e constipação.

O comportamento de uma pessoa em relação à eliminação urinária é denominado comportamento sanitário. Estudos nacionais e internacionais demonstram uma forte associação entre comportamentos sanitários inadequados, como adiar a micção e não se sentar para urinar, e disfunções do assoalho pélvico. Esse contexto, somado à realidade da transfobia no Brasil, motivou pesquisadores da Universidade de São Paulo a investigarem a relação entre comportamento sanitário e a liberdade no uso de banheiros públicos por pessoas trans, buscando associações com sintomas urinários e evacuatórios.

Dados preliminares divulgados pelas pesquisadoras apontam que 92% das pessoas trans que responderam à pesquisa já viveram situações de transfobia ou se sentiram constrangidas ao utilizar banheiros públicos, enquanto 95% relataram insegurança ao fazê-lo. Além disso, os participantes apresentam alta prevalência de sintomas de disfunções miccionais ou evacuatórias, por exemplo, 60% da amostra apresentou algum grau de retenção urinária e 70% relatou constipação. Os depoimentos coletados na pesquisa evidenciam a dimensão do problema. Quando questionadas sobre sua experiência no uso de banheiros públicos, algumas respostas foram: “Raramente uso, pois as pessoas julgam muito. Prefiro evitar constrangimento”, “Medo constante”, “Traumatizante” e “Me sinto exposta e vulnerável. Existe muita desconfiança e violência”.

O combate à transfobia deveria ser uma luta de toda a sociedade, pois garantir o respeito e a dignidade para toda pessoa é um compromisso coletivo com os direitos humanos. No entanto, no âmbito da saúde, é essencial que o profissional compreenda que lutar contra a transfobia é mais que uma questão social. É também uma forma direta de prevenir as disfunções do assoalho pélvico. Ao promover um ambiente seguro e acolhedor para todas as pessoas, o enfermeiro estomaterapeuta, e todo profissional de saúde, contribui para a saúde e qualidade de vida da população, garantindo que barreiras sociais não interfiram negativamente na prevalência de disfunções miccionais e evacuatórias.

Referências Bibliográficas

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– MOURA, Iago Henrique Fernandes de Sousa. Abjeção, gênero e sexualidade: reflexões a partir da proibição do uso do banheiro pelas pessoas trans no Brasil. Revista Abordagens, João Pessoa, v. 6, n. 1, p. 93-105, 2024. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rappgs/article/download/70130/39869/216443. Acesso em: 13 fev. 2025.

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– PEREIRA, Rosa Irlania do Nascimento et al. O comportamento sanitário inadequado propicia o desenvolvimento de sintomas do trato urinário inferior: um estudo transversal com professoras da educação infantil. In: CONGRESSO PAULISTA DE ESTOMATERAPIA, 4., 2024, São Paulo. Anais […]. São Paulo: SOBEST, 2024. Disponível em: https://anais.sobest.com.br/cpe/article/download/1109/970/988. Acesso em: 13 fev. 2025.

Gisela Maria Assis

Gisela Maria Assis

Enfermeira Estomaterapeuta TiSobest
Mestre em Tecnologias em Saúde
Doutora em Enfermagem pela UnB
Fundadora do Instituto Fluir
Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
Docente líder da pesquisa mencionada junto das estudantes Brunna Arnandes, Beatriz Mariana e Letícia Delvaz

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