O alcoolismo é uma doença crônica, multifatorial e segundo a Organização Mundial de Saúde o álcool é uma substância psicoativa com propriedades que causam dependência, sendo seu consumo responsável por cerca de 85 mil mortes anuais nas Américas no período de 2013 a 2015 (OPAS/OMS, 2021).
A OMS considera que o uso nocivo do álcool tem repercussão significativa na saúde, sociedade e economia, representando um fator causal em mais de 200 doenças e lesões (OMS, 2016). Tanto o consumo crônico quanto o agudo têm o potencial de prejudicar a saúde e o bem-estar do indivíduo.
No organismo humano, o álcool interage diretamente com componentes celulares, promovendo um estado oxidativo e inflamatório sistêmico. O seu metabolismo gera espécies reativas de oxigênio e acetaldeído que são porções bioquímicas que danificam órgãos e tecidos, variando as lesões de acordo com o nível de inflamação e com a resposta imune sistêmica e local. Além disso, o estresse oxidativo promove o aumento das citocinas pró-inflamatórias e de endotoxinas em resposta dos tecidos aos seus efeitos deletérios (Jung, 2011).
Diante das alterações sistêmicas, o álcool influencia diretamente no processo de cicatrização de feridas. Sabe-se que o processo cicatricial envolve 03 fases com eventos bioquímicos complexos que funcionam de forma equilibrada. O objetivo principal é recrutar e ativar células para a liberação de citocinas e quimiocinas que participam ativamente da regeneração do tecido e reestabelecimento da função normal da pele (Singer, 1999). Os efeitos deletérios do álcool podem agir na redução da função dos neutrófilos e de proteínas inflamatórias no leito da ferida, além de contribuir na diminuição da angiogênese na fase de reepitelização. Outro fator importante é no seu potencial de influenciar na composição da matriz extracelular (Jung, 2011). Estudos in vitro mostram que animais tratados com álcool apresentam menos colágeno na sua composição e redução da expressão gênica do colágeno tipo I (Radek, 2007). A exposição aguda ao álcool torna os fibroblastos incapazes de sintetizar os componentes da matriz extracelular necessários para reestabelecer a integridade da pele (Jung, 2011).
O conhecimento das alterações desencadeadas pelo consumo agudo e crônico do álcool nos mecanismos celulares envolvidos na cicatrização de feridas é importante para que os enfermeiros tenham o raciocínio clínico correto e implementem o tratamento adequado para a regeneração da ferida. As ações de prevenção em saúde devem ser o alicerce do cuidado de enfermagem nessa população e estimuladas pelos serviços de saúde e órgãos competentes. O dia nacional de combate ao alcoolismo gera inúmeras reflexões sobre a prática dos profissionais de enfermagem na integralidade do indivíduo e como atender com responsabilidade e segurança aqueles que são acometidos com feridas.
- Jung MK, Callaci JJ, Lauing KL, Otis JS, Radek KA, Jones MK, Kovacs EJ. Alcohol exposure and mechanisms of tissue injury and repair. Alcohol Clin Exp Res. 2011 Mar;35(3):392-9. doi: 10.1111/j.1530-0277.2010.01356. x.
- Singer AJ, Clark RA. Cutaneous wound healing. N Engl J Med. 1999 Sep 2;341(10):738-46. doi: 10.1056/NEJM199909023411006. PMID: 10471461.
- Radek KA, Kovacs EJ, DiPietro LA. Matrix proteolytic activity during wound healing: modulation by acute ethanol exposure. Alcohol Clin Exp Res. 2007 Jun;31(6):1045-52. doi: 10.1111/j.1530-0277.2007.00386. x.
Juliany Lino Gomes Silva
Assessora Departamento de Desenvolvimento Profissional da SOBEST®