O atendimento do enfermeiro estomaterapeuta em catástrofes e/ou calamidade pública é primordial, especialmente para vítimas que sofrem de lesões cutâneas complexas, como queimaduras, feridas extensas e que possuem estomias.
Este profissional possui habilidades especializadas na avaliação, tratamento e gerenciamento de lesões de pele, contribuindo significativamente para a recuperação e qualidade de vida dos pacientes. Em situações de desastre, o enfermeiro estomaterapeuta deve ser capaz de improvisar soluções com recursos limitados, adaptar técnicas de curativos e fornecer cuidados a pessoas com estomia.
Estudos demonstram que a intervenção precoce e especializada de estomaterapeutas pode reduzir significativamente as complicações, além de proporcionar suporte psicológico aos pacientes que enfrentam condições debilitantes e muitas vezes traumáticas (Oliveira e Santos, 2020; Almeida et al., 2019).
A formação contínua e a capacidade de trabalhar sob pressão são essenciais para que esses profissionais respondam de maneira eficaz em cenários de catástrofe (Martins et al., 2021).
Pessoas com estomias já enfrentam desafios com o preconceito e estigma social, além de ter sua autoimagem alterada, a estomia passou a ser o aspecto central nas suas vidas, sendo necessária uma assistência especializada e necessitam de equipamentos coletores e adjuvantes para o autocuidado que são essenciais para a sua sobrevivência (Sasaki et al 2021).
Sou Enfermeira Estomaterapeuta, trabalho num Centro de Referência em Estomaterapia há 22 anos, serviço público, onde temos cerca de 700 pacientes cadastrados que possuem estomias de eliminação. O Estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria Estadual de Saúde (SES) é o responsável pela aquisição dos equipamentos coletores e adjuvantes para o cuidado com estomas de eliminação, distribuindo para todos os 479 municípios do Estado, possuindo uma variedade de materiais, em torno de 65 itens. O cadastro e dispensação são realizados de forma online, no sistema GUD – Gerenciamento de Usuários com Deficiência, gerenciado pela SES.
Porto Alegre passou por um evento climático extremo, onde aconteceram fortes chuvas e uma enchente de grandes proporções no final de abril perdurando até o momento, tendo alagado vários locais da cidade, inclusive o local em que trabalho, impossibilitando o acesso devido a ter as ruas tomadas pela água. Os servidores do local foram para outro centro de saúde, e posteriormente seriam remanejados para onde houvesse necessidade de profissionais, pois a cidade ficou em situação de calamidade pública, com muitos desabrigados e vários abrigos para atendimento a população desalojada, assim como muitos profissionais estavam sem condições de deslocamento para ir trabalhar.
Frente a preocupação em atender as pessoas com estomia cadastradas no local onde trabalho, conseguimos uma sala, fizemos contato com a responsável pelos materiais na SES para verificar a possibilidade de buscar alguns materiais para poder distribuir aos pacientes e posteriormente buscamos os materiais, tivemos que deixar nas próprias caixas em cima de macas, cadeiras, mesas, bancos, porque não tínhamos (e ainda não temos) espaço e nem prateleiras para organizar o material. Quando é necessário fazer alguma troca de equipamento, temos que procurar algum consultório vago ou retirar as caixas de cima da maca para poder atender o paciente.
Assim que foi organizado o material e divulgado nas mídias sociais, os pacientes começaram a chegar. A ideia inicial era acessar o sistema GUD e fazer contato com os pacientes para comunicar que poderiam vir buscar os materiais, porém o sistema ficou fora do ar devido ao local do processamento de dados do Estado também ter sido atingido pela enchente.
Para entregar os materiais quando é o próprio paciente que vem buscá-lo, olhamos o equipamento em uso e conseguimos identificar o modelo. Porém, a maior dificuldade encontrada é quando um familiar, vizinho ou amigo vem buscar o material e temos que descobrir qual o material que o paciente usa, pois queremos tentar oferecer o mesmo material que eles utilizam, ou o mais semelhante (por exemplo: bolsa de colostomia de uma peça recortável), como não temos o sistema informatizado para acesso ao sistema online, fica difícil saber qual o material utilizado.
Nestes casos fazemos ligação telefônica, mandamos mensagem pelo WhatsApp, e temos que fazer perguntas na linguagem que os pacientes entendam, como: “é bolsinha pra fezes ou urina? De uma ou duas peças? É de recortar? É plana ou de conchinha?”. Até pedimos para enviar uma foto para tentar identificar qual o material que o paciente utiliza.
A sala que temos é pequena, buscamos alguns materiais para distribuir para uma semana, pois não sabíamos quanto tempo ia persistir essa situação, mas devido às proporções da enchente e as solicitações das pessoas com estomias que nos procuram, tivemos que, novamente, buscar mais materiais.
O trabalho é desafiador, desgastante, tenso, estamos em outro local, que não é nosso habitual, com material em caixas, pessoas chegando preocupadas, e isso nos exige adaptação constante e flexibilidade no desempenho do trabalho. Mas nada disso em momento algum foi impeditivo para eu realizar o meu trabalho e sentir alegria em assistir todos saírem muito gratos e felizes, enaltecendo nosso empenho em conseguir atendê-los, receber abraços carinhosos e emocionados. Sigo firme trabalhando e oferecendo o meu melhor e o melhor da estomaterapia em mim para todos que consigo atender. Não sei por quanto tempo perdurará essa situação em meu estado, mas sei que estamos fazendo o que precisa ser feito para nossos pacientes.
Referências Bibliográficas
– Oliveira, R. A., & Santos, L. M. (2020). “Cuidados de enfermagem em estomaterapia em contextos de emergência.” Journal of Wound Care, 29(3), 157-163.
– Almeida, E. C., et al. (2019). “Impacto do atendimento estomaterapêutico em vítimas de desastres.” Revista de Enfermagem e Saúde Pública, 11(2), 95-102.
– Martins, A. C., et al. (2021). “Capacitação e desafios do estomaterapeuta em situações de catástrofe.” Enfermagem Atual, 9(1), 43-49.
– Sasaki V.D.M., et al.(2021). “Autocuidado de pessoas com estomia intestinal: para além do procedimental rumo ao alcance da reabilitação”. Rev Bras Enferm. 2021; 74(1):e20200088.
Rosaura Soares Paczek
Enfermeira graduada pela UFRGS.
Pós-graduada em Estomaterapia, em Docência do Ensino Superior e Gestão em Saúde.
Mestre em Saúde Coletiva pela UFRGS.
Titulada pela SOBEST.
Presidente da SOBEST Seção RS nas gestões 2016-2019 e 2020-2023.
Assessora do Departamento de Relações Seccionais SOBEST 2024-2026.
Enfermeira do Serviço de Estomaterapia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS.