Segundo INCA (Instituto Nacional do Câncer) cerca de 76% dos casos de câncer de cabeça e pescoço são diagnosticados em estágio avançado no Brasil e em 2019 houve 20.722 mortes relacionadas a esse tipo de câncer. Tumores de cabeça e pescoço incluem crescimentos em diversas áreas como nariz, boca, garganta, laringe, glândulas salivares, linfonodos no pescoço, tireoide e paratireoides, e eles podem ser classificados como malignos ou benignos.
O câncer de cabeça e pescoço pode apresentar-se através de sinais e sintomas como abaulamento (caroço) ou ferida que não cicatriza, sangramento pelo nariz ou boca, alterações na voz ou rouquidão, infecções sinusais crônicas, dormência ou paralisia dos músculos da face, dor em regiões do rosto, queixo, pescoço ou garganta que não desaparece, edema (inchaço) ou alterações no olho, mancha branca ou vermelha nas gengivas, língua ou revestimento da boca. Pode comprometer rapidamente os linfonodos próximos ou outras partes do corpo, incluindo os pulmões.
É uma doença de difícil tratamento devido ao crescimento desordenado ocorrer próximo a regiões importantes como o cérebro, coluna vertebral, nervos vitais e vasos sanguíneos principais. A remoção do tumor pode afetar a capacidade da pessoa em realizar funções básicas como comer/saborear, falar, ver, ouvir e cheirar.
O tratamento depende do estadiamento e localização do tumor e muitos dos sintomas são comuns a outras doenças, por isso é importante obter um diagnóstico preciso e rápido. Este tratamento pode ser longo e requer uma abordagem multidisciplinar, incluindo avaliações e cuidados diagnósticos.
É importante monitorar sintomas como aumento ou diminuição do tamanho do tumor, o que pode indicar a necessidade de abordagem cirurgia, sendo esta abordagem invasiva ou minimamente invasiva, incluindo procedimentos como esvaziamento cervical, que é realizado devido à disseminação do tumor através dos linfonodos do cervicais. Nesse caso, pode ser necessário remoção de tecidos adjacentes combinado com técnicas de reconstrução cirúrgica.
A reconstrução cirúrgica é realizada para restaurar a aparência e a funcionalidade das áreas que foram afetadas pelos procedimentos invasivos, podendo incluir a reconstrução de músculos, tecidos e ossos, dependendo das áreas afetadas e necessidades individuais.
A traqueostomia é um procedimento cirúrgico no qual é feito um orifício na traqueia e inserida uma cânula de traqueostomia metálica, plástica ou de silicone para permitindo a respiração. Esse procedimento é realizado devido a presença de edema (inchaço) nas vias aéreas, o que é comum após as cirurgias de cabeça e pescoço.
O uso da traqueostomia pode ser temporário ou permanente, dependendo das condições do paciente. Quando temporária, a cânula será removida após a redução do edema permitindo a respiração normal. Quando permanente, a cânula será mantida indefinidamente e irá necessitar de acompanhamento ambulatório, com enfermagem capacitada, para prevenção de lesões de pele, dermatites, substituição de dispositivo (cânula), assim como capacitação para higienização, aspiração, umidificação, prevenção de infecções e outras complicações.
Em alguns casos pode ser necessário a laringectomia total, um procedimento cirúrgico no qual a laringe inteira é removida, e como resultado, a faringe passa a ser a passagem principal entre as vias nasais e o esôfago. Após a cirurgia, a respiração será feita definitivamente pela estomia confeccionada, e neste caso a pessoa poderá usar uma cânula de traqueostomia temporariamente para garantir a passagem do ar de forma segura durante o período de cicatrização/recuperação.
Outra estomia que poderá ser indicada a pessoa durante o tratamento de câncer de cabeça e pescoço é a gastrostomia, um procedimento endoscópico ou cirúrgico onde um cateter é inserido através da parede do abdômen diretamente no estômago, possibilitando a administração de alimentos, água e medicamentos. A indicação é para pessoas com dificuldade para a deglutição ou absorção pelo trato gastrointestinal.
O tubo de Montgomery e um dispositivo instalado através na traqueia, permitindo a entrada do ar diretamente nos pulmões, evitando assim o estreitamento da traqueia. É uma opção comum para pacientes que precisam de suporte respiratório a longo prazo, especialmente aqueles com doenças neurológicas ou musculares que afetam a respiração.
A esofagostomia cervical poderá ser indicada e consiste na exteriorização do esôfago através do pescoço com o intuito de desviar a passagem de secreção (saliva) auxiliando no controle de infecção local, impedindo a formação de abscessos, que podem propiciar fístulas, deiscências ou para administração de água, medicações e alimentos através de um cateter.
As estomias geradas e dispositivos utilizados durante o tratamento do câncer de cabeça e pescoço demandam uma atenção especial à pele, devido ao risco para dermatites e lesões, assim como para os dispositivos em uso, sendo necessário um acompanhamento mais efetivo por parte da enfermagem, mesmo após a alta hospitalar.
É importante lembrar que a prevenção de cânceres de cabeça e pescoço acontece através da conscientização sobre os riscos do uso de tabaco e álcool e encorajamento quanto a abandonar esses hábitos. O fumo passivo também pode aumentar o risco de desenvolvimento da doença.
A má higiene bucal e dental pode aumentar oferece risco para a doença, manter uma boa higiene bucal, escovação regular dos dentes, uso de fio dental, boa higiene das próteses, garantir um bom ajuste das próteses são orientações fundamentais.
A exposição prolongada ao sol pode desenvolver câncer de lábios e pele devido a radiação ultravioleta (UV) presente na luz solar que pode danificar as células da pele. Justifica-se então a importância em usar protetor solar e evitar a exposição prolongada ao sol, especialmente entre as 10h e as 16h, quando a radiação UV é mais intensa. Além disso, usar chapéus, roupas com mangas compridas e óculos de sol também pode ajudar a proteger a pele.
O Papilomavírus humano (HPV) é um fator de risco, sendo a atividade sexual com uma pessoa que tem HPV a forma mais comum de contrair a doença e o vírus Epstein-Barr (EBV) transmitida pelo beijo através da saliva, comumente conhecido como mononucleose, desempenha um papel importante no desenvolvimento do câncer de nasofaringe.
Inalantes ambientais ou ocupacionais, inalação de amianto, pó de madeira, fumaça de tinta e alguns produtos químicos podem aumentar o risco.
Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e doença do refluxo laringofaríngeo (DRGE) podem estar associados ao desenvolvimento de câncer de cabeça e pescoço.
Nutrição pobre em vitaminas A e B e sistema imunológico enfraquecido podem aumentar o risco de câncer de cabeça e pescoço.
Enfim, as ações preventivas são importantes dentro da assistência de enfermagem e precisam ser alinhadas e valorizadas como demanda obrigatória. Já as ações assistenciais precisam ser implementadas com o objetivo de oferecer um atendimento com qualidade e segurança.
O enfermeiro estomaterapeuta, neste contexto, contribui com os processos preventivos, educativos e assistencial junto a pessoa com câncer de cabeça e pescoço.
A atuação frente a escolha dos dispositivos mais adequados para cada estomia em uso, visto que esta pessoa poderá usar diferentes dispositivos durante o tratamento, ter um olhar voltado para a prevenção de lesões e dermatites, assistir nas demandas que venham a surgir no decorrer do tratamento relacionadas a radiodermites, toxicidade dermatológicas devido ao tratamento quimioterápico, presença de feridas neoplásicas malignas que possam romper a integridade da pele e apoio no processo de reabilitação.
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Viviane Helena Dias de Melo
Enfermeira especialista em estomaterapia pela Universidade de Taubaté (UNITAU), Pós-graduanda em Cardiologia e Hemodinâmica pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Enfermeira Estomaterapeuta do Polo de prevenção e tratamento de lesões São Paulo e Membro associado a SOBEST ®