Fevereiro : Mês dos Raros

Fevereiro : Mês dos Raros

Chegou fevereiro, um mês muito especial para todos nós e se reveste de um significado particular para todas as pessoas com doenças raras e suas famílias : mês de conscientização e de luta por políticas públicas para pessoas com doenças raras!

Todos nós, enfermeiros e profissionais de saúde podemos nos engajar, de diversas formas, neste importante movimento mundial de conscientização, informação e união de esforços sobre as doenças raras, particularmente aquelas que acometem a pele e seus anexos e que estão diretamente relacionadas à nossa atividade como especialistas.

Uma das primeiras questões a ser considerada é o conceito de doença rara e como impactam a vida e a qualidade de vida destas pessoas e suas famílias, pois o fato de serem raras não deve significar que não existem e que sejam negligenciadas.

As doenças raras (DR) compreendem um grupo complexo, amplo e heterogêneo de doenças e condições, que muitas vezes não são abordadas durante a formação dos profissionais de saúde. Especialmente na dermatologia, estas condições podem acometer as diferentes estruturas do sistema tegumentar e anexos, manifestando-se por quadros clínicos de menor severidade e com maior chance de monitoramento, até quadros extremamente graves, incompatíveis com a sobrevivência. Este desconhecimento tanto dos profissionais como da sociedade em geral gera enorme atraso no diagnóstico, tratamento adequado e compromete seriamente o prognóstico de muitas destas condições dermatológicas.

As organizações nacionais e internacionais de saúde têm procurado chamar a atenção para a importância deste grupo de doenças na população mundial, pois estima-se que existam mais de 8000 tipos diferentes de doenças raras, acometendo cerca de 400 milhões de pessoas no mundo. Destas, em torno de 30% são condições dermatológicas que acometem a pele, mucosas, cabelos e unhas.

No Brasil, estima-se que existem cerca de 13 milhões de pessoas com algum tipo de doença rara, muitas delas não diagnosticadas ou diagnosticadas tardiamente.

Embora tenham causas e manifestações clínicas bastante variadas, as doenças raras têm algumas características comuns:

✔ São frequentemente crônicas, progressivas, degenerativas, e muitas vezes com risco de vida, especialmente no período neonatal;

✔ Apresentam altas taxas de mortalidade nos primeiros cinco anos de vida.

✔ São incapacitantes: a qualidade de vida dos pacientes é muitas vezes comprometida pela falta ou perda de autonomia;

✔ Alto nível de dor e sofrimento para o paciente e seus familiares.

✔ Doenças incuráveis, e em sua maioria sem tratamento eficaz e resolutivo. Muitas destas condições exigem medicações especiais para o controle da doença, insumos e tecnologias para prevenir e tratar as lesões na pele, mucosas, cabelos e unhas;

✔ Em alguns casos, as manifestações clínicas na pele, cabelos e unhas e os sintomas podem ser tratados para melhorar a qualidade de vida e como consequência a expectativa de vida;

✔ São muito difíceis de serem gerenciadas, pois as famílias têm dificuldades de acesso ao diagnóstico e os recursos terapêuticos necessários para o cuidado ao longo da vida;

✔ Causam sobrecarga e desgaste físico e emocional aos cuidadores familiares por falta de suporte e rede de apoio para os cuidados;

✔ Não são de notificação obrigatória, gerando subnotificação, dados incorretos de incidência e prevalência e falta de parâmetros para elaboração de políticas públicas consistentes.

Tais características demonstram por si a necessidade e importância de um conjunto de ações articuladas entre os diversos setores da sociedade por meio de políticas públicas de saúde, educação, trabalho e suporte social às famílias e pessoas.

No Brasil, desde 2014 foi publicada a “ Política Nacional de Atenção Integral às pessoas com Doenças Raras”, por meio da Portaria 199/2014 que contempla importantes diretrizes norteadoras para a União, Estados e Municípios:

▪ Garantir a universalidade, a integralidade e a equidade das ações e serviços de saúde em relação às pessoas com doenças raras, com consequente redução da morbidade e mortalidade;

▪ Estabelecer as diretrizes de cuidado às pessoas com doenças raras em todos os níveis de atenção do SUS;

▪ Proporcionar a atenção integral à saúde das pessoas com doença rara na Rede de Atenção à Saúde (RAS);

▪ Ampliar o acesso universal e regulado das pessoas com doenças raras na RAS;

▪ Garantir às pessoas com doenças raras, em tempo oportuno, acesso aos meios diagnósticos e terapêuticos disponíveis conforme suas necessidades;

▪ Qualificar a atenção às pessoas com doenças raras

Percebe-se, portanto, que os princípios da universalidade e da integralidade se encontram elencados como objetivos a serem perseguidos pela Política Nacional de Atenção a Pessoas com Doenças Raras. O Estado brasileiro deixa claro assim que a atenção especial à saúde destas pessoas é obrigatória, sem discriminação de qualquer tipo e de maneira a se utilizar dos melhores conhecimentos científicos comprovados por evidências para atingir os relevantes objetivos elencados na norma.

Foram ainda definidos os princípios norteadores da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Destacam-se, dentre os princípios elencados pela Portaria, os seguintes:

● Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;

● Reconhecimento da doença rara e da necessidade de oferta de cuidado integral, considerando-se as diretrizes da RAS no âmbito do SUS;

● Promoção do respeito às diferenças e aceitação de pessoas com doenças raras, com enfrentamento de estigmas e preconceitos;

● Garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e atenção multiprofissional

● Articulação Intersetorial e garantia de ampla participação e controle social;

● Incorporação e uso de tecnologias voltadas para a promoção, prevenção e cuidado integral na RAS, incluindo tratamento medicamentoso e fórmulas nutricionais quando indicados no âmbito do SUS, que devem ser resultados das recomendações formuladas por órgãos governamentais a partir do processo de avaliação e aprovação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT); e promoção da acessibilidade das pessoas com doenças raras a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.

Vale destacar, porque é de altíssima relevância para o cumprimento dos princípios da universalidade e integralidade no SUS, a maneira extremamente cautelosa e vinculante com que a Portaria define o acesso ao tratamento medicamentoso. Por serem doenças raras, tais condições demandam parâmetros diferenciados de avaliação para incorporação de novas tecnologias pela CONITEC pois nem sempre estão disponíveis estudos e evidências com o mesmo quantitativo de publicações existentes para as condições dermatológicas prevalentes. Nesses casos, mesmo existindo uma opção medicamentosa ou um insumo no mercado privado, mas que ainda não foi incorporada ao SUS por meio da CONITEC, qual será o atendimento oferecido?

O não oferecimento de um medicamento existente no mercado e com evidências científicas de eficácia, mas que ainda não foi incorporado ao sistema, caracterizaria violação aos princípios da integralidade e da universalidade preconizados.

✔ Os artigos 8º ao 11 estabelecem as competências federativas na organização do SUS para o oferecimento de serviços adequados, eficientes e humanizados no âmbito da rede de serviços públicos de saúde.

Ao Ministério da Saúde ficaram as competências mais relacionadas com a regulação geral do sistema e seu macro organização, tais como a definição dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT, a habilitação dos serviços especializados organizados pelos Estados e Municípios e a organização das informações sobre a atenção aos portadores de doenças raras no país (Art. 8o). Aos Estados e Municípios competirá a organização dos serviços propriamente dita, com habilitação junto ao Ministério da Saúde, sendo que, em harmonia com a lógica de descentralização do sistema, competirá ao Município a organização de grande parte dos serviços especializados em atenção aos portadores de doenças raras.

✔ A portaria oferece ainda, em seu Art. 12, uma lógica de organização do cuidado das pessoas com doenças raras, que passa a ser estruturada nos seguintes eixos: (a) Eixo I: composto pelas doenças raras de origem genética, envolvendo anomalias congênitas ou de manifestação tardia; deficiência intelectual; e erros inatos de metabolismo; (b) Eixo II: composto por doenças raras de origem não genética envolvendo doenças infecciosas, inflamatórias e autoimunes.

✔ Os Arts. 13 a 21 da Portaria definem a forma como se dará a linha de cuidado da atenção aos usuários. A atenção será organizada em atenção básica, especializada e domiciliar, com o desenvolvimento e identificação de serviços de referência distribuídos na lógica da regionalização e descentralização.

✔ Finalmente, o Art. 22 da Portaria 199/2014 define um incentivo financeiro de custeio mensal para as equipes profissionais dos estabelecimentos de saúde habilitados como Serviços de Atenção Especializada em Doenças Raras. A Portaria chega ao detalhe dos valores a serem oferecidos. Resta saber se, pela quantidade de exigências feitas pela Portaria para a habilitação destes serviços e constituição das equipes, Estados e Municípios irão aderir de forma abrangente ao modelo por ela idealizado.

A sociedade civil, organizada por meio de associações de pacientes e familiares, com apoio de profissionais e legisladores, têm avançado com relação ao estabelecimento de PCDT para diversas afecções dermatológicas, como a Ictiose, Epidermólise Bolhosa . Entretanto, o grande desafio é fazer com que tais direitos estejam de fato acessíveis nos municípios e estados por meio do estabelecimento de linhas de cuidado articuladas entre a atenção básica , média e alta complexidade. Outro desafio é a necessidade de qualificação e educação permanente dos profissionais de saúde para a triagem neonatal e o reconhecimento precoce destas condições, pois se expressam na pele, cabelos e unhas e estão visíveis ao olhar de todos desde o nascimento. Diferente de condições raras que podem levar vários anos para se manifestar, as doenças raras em dermatologia expressam suas alterações por meio de lesões, bolhas, feridas, ausência de unhas e cabelos logo ao nascer.

Este é um debate de extrema importância que precisa ser realizado entre as diversas esferas da gestão pública, com pactuação entre união , estados e municípios, com a definição operacional e estratégica de responsabilidades , previsão orçamentária e gestão dos recursos e das pessoas.

Se temos um documento tão abrangente e completo , porque ainda é tão difícil para as pessoas com doenças raras conseguir acesso ao diagnóstico, tratamentos, acompanhamentos e monitoramento de sua condição em equipe multidisciplinar?

Esta é uma pergunta que precisa ser debatida na sociedade, com a participação ampla dos diversos atores, para que aquilo que já está previsto no texto legal possa se tornar uma realidade para as pessoas e famílias , com a oferta desta atenção em cada município ou região do país.

Somos Todos Raros!

Referências

Ministério da Saúde . Portaria GM 199/2014- Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Disponivel em : https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html

Maria Helena Sant´ Ana Mandelbaum

Profa. Dra. Maria Helena Sant Ana Mandelbaum
Enfermeira, Especialista em Dermatologia
Mestre em Gerontologia, Doutor em Educação
Coordenadora da PG Enfermagem em Dermatologia da UNIVAP
DNA Member
Representante do Brasil na Global Alliance of Nursing on Dermatology- GAND
Membro da DEBRA International e da EB-Clinet
Departamento de Acreditação de Cursos da SOBENDE
RT -Clinica Dermatológica SHM São José dos Campos – SP
Coordenador Projeto Dermacamp
Integração e qualidade de vida para crianças com doenças de pele-
CEDAR UNITAU

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