Junho Laranja e Junho Vermelho – Conscientização sobre Anemia e Doação de Sangue
Úlcera em Membro Inferior por Doença Falciforme
A Doença Falciforme (DF) é considerada um problema mundial de saúde pública, com predominância na população negra e elevado impacto na morbimortalidade. Estudos apontam que cerca de 5% da população mundial tem alguma doença hematológica e no Brasil cerca de 13 milhões de pessoas irão desenvolver alguma delas. Dentre as doenças hereditárias mais comuns, encontra-se o grupo das Hemoglobinopatias, que são caracterizadas por um comprometimento nos genes responsáveis pela síntese da globina. Destas, a Doença Falciforme é considerada a mais prevalente em todo país, acometendo cerca de dois milhões de pessoas.
A Doença Falciforme é definida como uma mutação genética na qual a molécula da Hemoglobina A (HbA) dá espaço a Hemoglobina mutante S (HbS) ocasionando assim, uma mudança em sua estrutura, transformando a hemácia no formato de “foice” ou “meia-lua”. Na sua fisiopatologia é uma doença que ocasiona uma vasculopatia crônica na qual a destruição precoce dos glóbulos vermelhos causa anemia crônica. Os fenômenos vaso-oclusivos e a hemólise são as características clínicas da DF.
As úlceras de membros inferiores (MMII) são as manifestações cutâneas mais comuns na DF 2 e podem ser incapacitantes. Acometem pessoas jovens, a partir dos 20 anos, apresentando dor intensa, crônica e contínua; e possuem altas taxas de recorrência. 4, 5. No Brasil, a prevalência dessas úlceras é em torno de 20% das pessoas com DF.
A patogênese da úlcera de MMII na Doença Falciforme não é completamente esclarecida e parece ser multifatorial. Estudos sobre a mudança no volume de sangue no tornozelo, durante o exercício físico, mostrou tempos de enchimento venoso mais curtos em pessoas com DF e os tempos foram ainda mais reduzidos em pessoas com úlceras por DF, fortalecendo a teoria que a insuficiência de válvulas venosas que drenam a região do tornozelo e a elevação constante da pressão venosa contribuem para a cicatrização lenta e o possível início das úlceras na DF.
Isso porque a precipitação intravascular das hemácias resulta em vaso-oclusão, disfunção endotelial, hipercoagulabilidade, inflamação crônica e lesão tecidual isquêmica. Ocorre hemólise intravascular, que permite que a hemoglobina livre sequestre o óxido nítrico (ON), reduzindo sua ação vasodilatadora sobre o endotélio vascular e, assim, intensificando a vasoconstrição crônica, a hipóxia e a dor. Estudos recentes têm avaliado o papel do ON na Doença Falciforme, sendo observada uma redução dessa substância durante as complicações.
Estudos no Brasil detectaram níveis aumentados de Interleucina em pessoas com DF e úlceras, enfatizando o papel da inflamação na patogênese dessas lesões e sugerindo que essa citocina pode ser considerada como um marcador de mau prognóstico. Como a cura é lenta e demora meses ou anos, a infecção bacteriana secundária é quase inevitável, e como a cicatriz resultante tem uma baixa resistência a tração e a má perfusão devido à vasculopatia cutânea, culmina em maior risco de recidiva.
As características clínicas são: dor no local, limites bem definidos e bordas elevadas, lembrando perfurações, o leito da lesão é revestido com tecido de granulação, por vezes recoberto por esfacelo amarelado; eventualmente, algumas pequenas úlceras aparecem simultaneamente e coalescem, formando uma lesão maior; edema da extremidade afetada; a pele peri-ulceração pode ser hipo ou hiperpigmentada, localização na grande maioria ao redor dos maléolos medial ou lateral. No exame físico geralmente revela hemossiderose cutânea, dermatoesclerose e proeminência das veias superficiais e as úlceras pioram em posição ortostática e melhorarem com o repouso e com o uso de terapia compressiva.
Importante ressaltar que o tratamento deve considerar uma abordagem integral para redução dos impactos físicos e psíquicos. As diretrizes, baseadas em evidências científicas, são escassas. Assim, os profissionais de saúde baseiam-se em revisões críticas da literatura e na experiência pessoal e clínica para a definição das condutas de tratamento das úlceras. Uma abordagem multidisciplinar é essencial, com acompanhamento próximo de hematologista, cirurgião vascular, angiologista, dermatologista, enfermeiro, nutricionista e psicólogo. Dessa maneira, o estomaterapeuta tem um papel fundamental na condução do tratamento e na prevenção de recidivas.
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Roseanne Montargil Rocha
Docente plena da Universidade Estadual de Santa Cruz -UESC.
Enfermeira estomaterapeuta.
Membro do conselho científico da SOBEST.
Pesquisadora em Doença Falciforme.
Vice-Presidente da ONG Unidos pelo Diabetes -UPD.