A sexualidade da pessoa com estomias de eliminação

A sexualidade da pessoa com estomias de eliminação

A vivência da sexualidade é uma experiência humana que envolve emoção, prazer, comunicação, afetividade, entre outros. Uma sexualidade ultrapassa a necessidade fisiológica e apresenta simbologia do desejo1.

A sexualidade influencia a autoestima por estar intimamente ligada à imagem corporal, que é uma maneira pela qual o corpo é percebido por pessoa2

Na sociedade moderna, é inegável a crescente supervalorização do corpo enquanto expectativa para inclusão social e, até mesmo para obtenção de poder e cargos de confiança. Porém, aqueles que não apresentam perfil estético acabam vítimas de preconceitos e discriminação. Importante reforçarmos que a perda do corpo físico “perfeito” pode estar muitas vezes associada ao adoecimento, principalmente em casos de doenças oncológicas3

No Brasil, estima-se que para cada ano do triênio referente a 2020-2022, a ocorrência de 20.520 casos de câncer de cólon e reto em homens e 20.470 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 19,63 casos novos a cada 100 mil homens e 19,03 para cada 100 mil mulheres4

A estomia intestinal, também conhecida como estoma e/ou ostomia, consiste em uma abertura artificial, produzida cirurgicamente, que tem como finalidade desviar o fluxo dos efluentes para o meio externo. As condições mais comuns que requerem a confecção de uma estomia intestinal incluem as doenças diverticulares e inflamatórias intestinais como a Doença de Crohn e a colite ulcerativa, além de traumas abdominais, anomalias colorretais e câncer colorretal. Tal condição pode impactar a vida dos indivíduos acometidos em virtude de transformações que afetam vários aspectos, incluindo repercussões negativas envolvendo a sexualidade 5-6-7.

Como repercussões fisiológicas da cirurgia para o estomizado envolve o desvio de sua eliminação para o abdome, acarretando perda esfincteriana com privação do controle fecal, eliminações involuntárias de gases e odores, além de alterações no estímulo sexual, onde os homens podem apresentar disfunção erétil, distúrbios ejaculatórios e infertilidades. No que tange as às mulheres, estas podem ter inibição do desejo sexual, falta de lubrificação na vagina e dispareunia8

Superar o medo e as angústias diante da confecção de um estoma é uma ação importante que deve ser adotada pelos cirurgiões e enfermeiros. Sempre que possível, o enfermeiro estomaterapeuta deve estar envolvido no aconselhamento pré-operatório, fornecendo informações acerca da confecção, do uso de equipamentos adjuvantes, da adaptação cotidiana e, no pós-operatório, ajudar o paciente nos cuidados com o estoma, na proteção da pele periestomal, bem como no retorno às suas atividades diárias e em todo seu processo de reabilitação 9

O fato de ter uma estomia gera uma alteração física visível e significativa do corpo, que causa perda de sua integridade, dinamismo e autonomia, causando conflitos pessoais e sociais, especialmente, suas relações com o mundo exterior. O conhecimento destas mudanças na vida das pessoas com estomias intestinais e as repercussões na sexualidade pelos profissionais da saúde que prestam assistência a esta clientela, pode contribuir na melhoria do atendimento com utilização de estratégias mais adequadas às demandas de necessidades específicas10.

A questão da sexualidade nas pessoas com estomias não é abordada com frequência na prática dos enfermeiros e da equipe multiprofissional, seja pelo próprio tabu que o tema proporciona, pelo esquecimento dessa intervenção ou mesmo pela aparente “falta de problema” não relatado pelos pacientes. É comum observar os profissionais direcionando seus cuidados atrelados ao diagnóstico médico, em busca da cura da doença e esquecendo-se de que o paciente é um ser social e que há problemas além daquilo que é possível observar com uma visão clínica10.

Muitas vezes a sexualidade é vista como um assunto que não deve ser comentado em público, algo proibido, pessoal; antes, o sexo era visto como meio de reprodução e não de prazer, principalmente em relação à sexualidade feminina10.

Os pacientes estomizados, por ter sua imagem corporal prejudicada, acabam, por muitas vezes, não se permitindo desfrutar dessa natureza denominada sexo, ou acabam até mudando seu comportamento ou até mesmo a forma de visão sobre o assunto, definindo-o como amor, carinho, respeito, não necessariamente relacionado ao quarto ou às áreas genitais de seu corpo. Eles se adaptam à sua nova condição e criam alternativas, posições diferentes para sentirem prazer e poder proporcioná-lo ao parceiro(a)11.

A saúde sexual está relacionada à qualidade de vida e ao bem-estar pessoal, a descobrir formas de sentir, receber e dar prazer; esses são caminhos por meio dos quais essa saúde pode ser alcançada. Todo ser humano deve estar aberto a desfrutar das atividades sexuais, com o maior desprendimento possível, sem temores, culpa ou preconceito12

É cada vez mais reconhecida a importância da saúde sexual para a longevidade das relações afetivas e como parte da saúde global e do bem-estar do indivíduo. Atualmente, independente do gênero, o aspecto prazeroso do sexo tem demonstrado maior importância do que sua finalidade reprodutiva. No entanto, menos de 10% dos médicos têm a iniciativa de investigar as queixas sexuais de seus pacientes13.

A expressão sexual, configura a função essencial da vida da pessoa e, em decorrência disso, se torna importante em todos os estágios de saúde e adoecimento. A função sexual completa consiste na transição entre as fases de excitação e relaxamento, com inclusão do prazer e da satisfação. Por outro lado, a disfunção sexual ocorre quando há incapacidade na participação do ato sexual com satisfação e/ou comprometimento do desejo e/ou excitação e/ou orgasmo14-15

Assim, ressaltamos a importância da contribuição eficaz dos profissionais de saúde, para o desenvolvimento de um plano terapêutico e de ações que propiciem menos angústia, maior segurança e comodidade no ato sexual, visando a uma sexualidade mais próxima daquilo que o paciente vivenciava anteriormente à presença de um estoma de eliminação. Reforçamos a importância do enfermeiro estomaterapeuta em todo esse processo de reabilitação do estomizado, onde este profissional irá oferecer uma qualidade de vida para estes pacientes, antecipando seu retorno às atividades diárias.

Referência Bibliográficas

1.Paula MAB, Takahashi RF, Paula PR. Os significados da    sexualidade    para    a    pessoa    com    estoma   intestinal definitivo. Rev Bras Coloproctol. 2009; 29(1):77-82.

2. Seara LS, Vieira RX, Pechorro PS. Função sexual e imagem cabo da mulher mastectomizada. Rev Int Androl. 2012; 10(3):106-12.

3. Almeida     TR,     Guerra     MR,     Filgueiras     MST. Repercussões  do  câncer  de  mama  na  imagem cabo da mulher: uma revisão sistemática. Fise. 2012; 22(3):1003-29.

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 Disponível :Estimativa_2020.indd (inca.gov.br)

5. Santos VLCG, Sawaia BB. A bolsa na mediação “estar ostomizado” – “estar profissional”: análise de uma estratégia pedagógica. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 20];8(3)40-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v8n3/12398.pdf 

6. Manderson L. Boundary breaches: the body, sex and sexuality after stoma surgery. Soc Sci Med. 2005;61(2):405-15. doi: 10.1016/j. socscimed.2004.11.051

7. Rocha J. Estomas intestinais (ileostomias e colostomias) e anastomoses intestinais. Medicina (Ribeirão Preto). 2011;44(1):51-6. doi: 10.11606/ issn.2176-7262.v44i1p51-56

8. Fleury HJ, Pantaroto HSC, Abdo CHN. Sexualidade em oncologia. Diagn Tratamento. 2011; 16(2):86-90.

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11. Santos VLCG, Paula CAD, Secoli SR. Estomizado adulto no município de São Paulo: um estudo sobre o custo de equipamentos especializados. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2008 [cited 2012 May 15];42(2):249-55. Available from: www.ee.usp.br/reeusp. 

12. Puhlman F. A revolução sexual sobre rodas: conquistando o afeto e a autonomia. São Paulo: O Nome da Rosa; 2000. 

13. Prado DS, Arruda RM, Figueiredo RCM, Lippi UG, Girão MJBC, Sartori MGF. Avaliação do impacto da correção cirúrgica de distopias genitais sobre a função sexual feminina. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2007 [cited 2012 May 15];29(10):519-24. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v29n10/05.pdf.

14. Yilmaz E, Çelebi D, Kaya Y, Baydur H. A descriptive, cross-sectional study to assess quality of life and sexuality in turkish patients with a colostomy. Ostomy Wound Manage. 2017;63(8):22-9. doi: 10.25270/owm.2017.08.2229

15. Shamloul, R, Ghanem, H. Erectile dysfunction. Lancet. 2013;381(9861):153-65. doi: 10.1016/S0140-6736(12)60520-0

Maria Clara Salomão e Silva Guimarães

Maria Clara Salomão e S. Guimarães
Enfermeira Estomaterapeuta TiSOBEST, Diretora Regional da América Latina dentro do International Skin Tear Advisory Panel –  (ISTAP) e Presidente Seccional e Diretor do Conselho Científico

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