As primeiras comemorações em alusão a importância da voz ocorreram no Brasil em 1999, uma iniciativa de médicos, fonoaudiólogos e professores de canto integrantes da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV).
Este ato inspirou outros países, como Argentina e Portugal, levando a data a ser reconhecida e celebrada em vários países. Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Otorrinolaringologia – Cirurgia de Cabeça e Pescoço oficializou em 2002, adotando o nome de ‘Dia Mundial da Voz’.
A Lei nº 11.704/2008 instituiu oficialmente no Brasil o dia 16 de abril como data comemorativa para o “Dia Nacional da Voz”, com o objetivo de incentivar e conscientizar a população sobre a importância da voz para a promoção da saúde, bem como informar sobre os sinais e sintomas que apontam para um diagnóstico precoce de doenças graves, como por exemplo o câncer de laringe, que pode comprometer a qualidade seriamente a qualidade de vida da pessoa.
A voz é uma ferramenta fundamental para a socialização entre as pessoas, pois através do som da voz podemos reconhecer pessoas, identificar emoções, distinguir personalidades, expressar percepções e até mesmo mentalizar fisicamente uma pessoa. Podemos descrever a voz de várias formas, dizendo que ela é aveludada, áspera, crepitante, macia, brilhante, colorida, metálica, dentre outras qualidades.
Ao longo da vida, a voz sofre modificações em sua frequência e vibrações, isso ocorre especificamente nas pregas vocais, essas mudanças ocorrem em virtude das transformações no decorrer do crescimento e envelhecimento das estruturas responsáveis pela fonação.
O mecanismo de produção da voz ocorre por meio do ar expiratório, que ao passar pela laringe aproxima-se e faz vibrar as pregas vocais. Esse som laríngeo é transformado e amplificado pela boca e faringe, que funcionam como uma espécie de filtro, que modificam e qualificam a voz.
Raramente pensamos na preservação da nossa voz, não priorizamos zelar por sua boa condição, podendo assim utilizá-la nos diversos contextos em que estamos inseridos, seja ele profissional, social ou familiar.
Estamos expostos a diversas situações que podem comprometer a voz, e até mesmo pelo seu mau uso, o que acaba gerando um desgaste e favorecendo a alterações nas cordas vocais, podendo levar a irritação, tosse, pigarro, aumento de secreções, infecções, entre outras complicações.
Os grandes inimigos da saúde da voz são o consumo excessivo de tabaco, bebidas alcoólicas e alimentos gordurosos, também estão na lista o refluxo gástrico, vírus HPV e o uso excessivo da voz por profissionais que a utilizam constantemente.
Descrevemos abaixo algumas dicas importantes para a proteção da voz:
- Evitar tossir ou pigarrear em excesso, evitando atrito entre as pregas vocais;
- Evitar gritar ou falar por tempo prolongado;
- Beber água em temperatura ambiente ao longo do dia, principalmente ao permanecer por longos períodos em ambientes com ar condicionado;
- Evitar bebidas alcoólicas – atuam como anestésicos, reduzem a sensibilidade e favorecem a forçar a voz sem perceber;
- Evitar uso de pastilhas, sprays e “drops”, atuam como anestésicos para a voz;
- Ingerir maçã com frequência, pois essa fruta tem propriedades adstringentes que agem limpando a boca e faringe;
- Evitar falar em ambientes ruidosos (música ou conversas altas) para não “competir” com o barulho;
- Se for alérgico, procure não se expor a mudanças bruscas de temperatura, não respirar pela boca e sim pelo nariz (filtra e umidifica o ar);
- Não fumar, pois a fumaça é altamente irritante para a mucosa do aparelho fonador, especialmente para as pregas vocais;
- Não consumir café ou chá preto em excesso, pois estes alimentos possuem muita cafeína, ressecando o trato vocal;
- Evitar alimentos achocolatados ou derivados do leite, principalmente antes de usar a voz para cantar, ministrar aulas ou palestras, pois estes aumentam a secreção espessa no trato vocal;
- Fazer repouso vocal durante os intervalos no trabalho e após uso intensivo da voz;
- Não usar roupa muito apertada na região da cintura, pois dificultam a respiração diafragmática;
- Procurar manter o padrão respiratório nasal, este é o mais adequado para não trazer impactos na qualidade vocal;
- Dor na garganta que não melhora, rouquidão constante ou falhas na voz por mais de 15 dias, tosse frequente, dor ou dificuldade para engolir, sensação de engasgo, presença de nódulos no pescoço são sintomas que precisam ser avaliados por um médico.
Algumas situações em especial podem levar a privação da voz, como por exemplo as pessoas com traqueostomia (temporárias ou definitivas) ou laringectomia total, onde ocorre a remoção completa da laringe e criação de uma estomia respiratória definitiva, a voz laríngea é perdida, e então torna-se de grande importância iniciar o processo de reabilitação da voz.
Neste momento torna-se imprescindível a indicação de um profissional fonoaudiólogo, com habilidades que incluem o treino da voz esofágica, a voz traqueoesofágica, o uso da laringe eletrônica entre outras intervenções aplicáveis.
Um dos fatores que pode afetar a qualidade da produção vocal é a presença da cânula de traqueostomia, pois o uso das cânulas altera a anatomia e fisiologia do sistema respiratório, essencial para a vocalização. Ela restringe a elevação da laringe, seja devido a técnica cirúrgica adotada, pelo tamanho e peso da cânula utilizada, insuflação ou não do cuff.
Fisiologicamente, a cânula de traqueostomia desvia o fluxo de ar expirado para o estoma, o que resulta em redução do fluxo e da pressão abaixo da glote. Isso pode levar a alterações na mobilidade e força dos músculos intrínsecos da laringe (pregas vocais), resultando em afonia e disfonia de diferentes graus de severidade e características.
A comunicação através da voz quando perdida tem impactos importantes em todas as fases da vida, e poderá ser retomada por meio de gestos, desenhos, sinais gráficos ou até mesmo pela escrita, para aqueles que foram alfabetizados.
No público pediátrico, a avaliação com a fonoaudiologia é recomendada para todas as crianças com estomia respiratória em uso de cânulas de traqueostomia no período pré-lingual para desenvolvimento de comunicação e nos casos de disfagia.
É indicado a utilização da válvula fonatória para crianças em que a cânula de traqueostomia não exceda dois terços do diâmetro traqueal, com quadro clínico estável, que não apresentem secreção espessa e que possuam alguma habilidade para vocalizar com a oclusão da cânula. Porém, o uso de válvulas fonatórias é de recomendação médica, tanto para facilitar a comunicação e o desenvolvimento da voz, quanto para reduzir o risco de broncoaspiração, promovendo o retorno da pressão subglótica.
As contraindicações existentes, em casos de estenose severa da via aérea, necessidade de uso de cânula com balonete insuflado, traqueomalácia grave, doença pulmonar restritiva, distúrbio neurológico grave ou paciente comatoso devem ser avaliadas e acompanhadas pelo médico.
A presença da traqueostomia não deve ser impeditiva para as frequências escolares, a voz é fundamental no processo de socialização e alfabetização, porém atingir o nível de reabilitação adequado depende da atuação de profissionais especialistas capacitados e participação ativa da família.
A voz é um dos principais meios de comunicação dentro da nossa sociedade, permitindo que as pessoas expressem pensamentos, emoções e ideias, além de permitir a participação da criança em rodas musicais, brincadeiras educacionais e de lazer, leitura de livros e gibis, bate papo entre amigos e familiares, enfim a voz é conexão com o mundo.
Viabilizar o acesso de adultos e crianças a essa conexão é um dever do sistema de saúde, e precisamos lutar cada vez mais, pela criação e implementação de políticas públicas com objetivos claros que destinem recursos para programas bem estruturados que amparam os processos de reabilitação da voz e assegurem os direitos destes cidadãos.
A atenção à saúde da pessoa com estomia respiratória deve ser integral, abrangendo desde a prevenção de complicações até a reabilitação e suporte psicológico.
Nesse contexto, vamos exemplificar relatando a luta de uma criança chamada Alice Vitória, que nasceu de uma gestação de 6 meses (prematura), resultando em diversas complicações que a levaram a uma traqueostomia de urgência aos 4 anos.
Em 2025 ela completará 7 anos e a 3 anos é uma criança com traqueostomia, já passou por muitas internações e dificuldades, sempre amparada por uma assistência de saúde privada paga com muito esforço, recebe cuidados especializados da enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição e médico. É membro de uma família amorosa e acolhedora, filha de uma mãe guerreira que nunca desiste de buscar os diretos dessa criança. Alice ganhou este ano a liberação médica para iniciar sua caminhada educacional em uma escola pública de sua cidade.
As lutas são muitas para a mãe da Alice, buscando constantemente os direitos de uma pessoinha com estomia respiratória, sem jamais pensar em desistir, mas as vitórias são maiores.
Importante ressaltar a existência de associações comprometidas e idôneas, que contribuem constantemente com informações fundamentais sobre os direitos específicos das pessoas com estomias e muitas outras informações, assim com a Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil), o Movimento Ostomizados do Brasil (MOBR), a Associação Brasileira de Estomaterapia (SOBEST), entre outras.
Então vamos seguir em frente, lutando pelos direitos das pessoas com estomias respiratórias, para que todos possam emitir a sua “Voz”!
Referências Bibliográficas
1 – 1 – Ministério da Saúde, 16 de abril – Dia Mundial da Voz. Danilo Ferraz – Estagiário de comunicação – CSPS. Disponível em https://www.tjes.jus.br/16-de-abril-dia-mundial-da-voz/#:~:text=Celebra%2Dse%20no%2016%20de,cuidados%20necess%C3%A1rios%20para%20preserv%C3%A1%2Dla
2 – “Um Mundo, Muitas Vozes”: 16/4 – Dia Mundial e Nacional da Voz. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/um-mundo-muitas-vozes-16-4-dia-mundial-e-nacional-da-voz/
3 – ACBG Brasil alerta para riscos à saúde vocal no Dia Mundial da Voz. Disponível em https://acbgbrasil.org/sua-voz-acbg/#:~:text=Dia%2016%20de%20abril%20%C3%A9,ter%20para%20mant%C3%AA%2Dla%20saud%C3%A1vel.
4 – Fraga JC, Souza JCK de, Kruel J. Traqueostomia na criança. J Pediatr (Rio J) [Internet]. 2009Mar;85(2):97–103. Available from: https://doi.org/10.1590/S0021-75572009000200003. Disponível em https://www.scielo.br/j/jped/a/d4KnWPG7HbgcdHyFJmjFZbp/
5 – Traqueostomia e Voz. Renata Otoni Neiva. Dísponível em https://sobest.com.br/traqueostomia-e-voz/
Adriane Aparecida Costa Faresin
Enfermeira Estomaterapeuta TiSOBEST®
Membro do Grupo de Pesquisa em Estomaterapia da USP/GPET
Membro Associada do WCET®
Coordenadora de enfermagem ambulatorial do ICESP