A Estomaterapia e o SUS

A Estomaterapia e o SUS

A saúde durante muito tempo foi vinculada à Previdência Social através do Inamps (Instituto Nacional de Previdência Social) que atendia apenas os trabalhadores contribuintes, excluindo, com isso, grande parte da população. A partir dos anos 80, as Ações Integradas de Saúde (AIS) começam os primeiros passos na descentralização e interiorização da atenção à saúde, porém limitadas.

Inicia então, um movimento de luta, a reforma sanitária, que é contra o modelo de saúde da época voltado aos mais ricos, excluindo o cidadão pobre e priorizando o privado, contrariamente ao que diz na Constituição Federal de 1988: a saúde é um direito de todos e dever do Estado.

Em 1986 a Oitava Conferência Nacional de Saúde começa a definir o que seria o SUS (Sistema Único de Saúde). Em 1988 é oficializado o SUS e sua regulamentação é criada em 1990 pelas Leis 8080 e 8142, onde definiram seus princípios: universalidade, integralidade, equidade e controle social.

Paralelamente, em 1980 o WCET (World Council of Enterostomal Therapists) estabelece que a estomaterapia é uma atividade exclusiva do enfermeiro. Em 1984 é criado o “Grupo de Interesse Clínico em Enteroestomaterapia” (GICEE), um grupo de interesse clínico focado na área da enteroestomaterapia, ou seja, no cuidado de pacientes com estomias e problemas relacionados. Posteriormente passou a ser chamado de Grupo de Enfermagem em Enteroestomaterapia – GEE e, por último, Grupo de Enfermagem em Estomaterapia – GEEst), formado por profissionais interessados na área e que promovia atividades científicas vindo a ser desativado em 1986 por dificuldades na obtenção de recursos financeiros.

A especialidade foi sendo organizada e foi dado um passo importante para a formação de profissionais qualificados, o 1º Curso de Especialização de Enfermagem em Estomaterapia criado na Escola de Enfermagem da USP, coordenado pela Profa. Dra. Vera Lucia Conceição de Gouveia Santos, considerada a “mãe” da estomaterapia do Brasil. Esta experiência mostrou-se bastante efetiva. Algumas das novas estomaterapeutas já se encontravam em franca atuação nos próprios serviços, com a organização de núcleos de assistência, elaboração de programas de educação continuada e desenvolvimento dos planos de pesquisa. A partir de então, novas turmas são formadas e com elas novas perspectivas como criação de polos regionais em São Paulo capital e no interior.

Com a implantação da especialidade e a existência de maior número de especialistas, houve a necessidade de reativar as atividades científicas, não mais como Grupo de Enfermagem, mas como uma sociedade. Então, em 4 de dezembro de 1992, nas dependências do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, foi fundada a Sociedade Brasileira de Estomaterapia – SOBEST, hoje Associação Brasileira de Estomaterapia

Os cursos têm como base o currículo mínimo exigido pelo Conselho Mundial de Estomaterapia -World Council of Enterostomal Therapists – WCET. Assim, o enfermeiro sai especializado em estomaterapia com um padrão de excelência assistencial e organizacional mundial.

A história da Estomaterapia se converge com a do SUS quando é legalizada a regulamentação de diretrizes nacionais para a atenção à saúde de pessoas ostomizadas através da Portaria SAS/MS nº 400, em 2009, inclusive com a participação da sociedade na construção dessa portaria. Com isso, a criação dos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas (SASPO) permite que a atuação do enfermeiro estomaterapeuta nas redes de atenção básica e especializada seja um critério exigido.

Em 2002 um grupo de enfermeiras sendo duas estomaterapeutas, servidoras municipais da cidade de São Paulo, iniciam um trabalho ao construírem o Projeto Proibido Feridas, que culmina na promulgação da PORTARIA 4995/02 – SMS que constituiu a COMISSAO DE PREVENCAO E TRATAMENTO DE FERIDAS (CPTF), que tinha o objetivo de elaborar e padronizar práticas de prevenção e tratamento das lesões. Com o crescimento da ciência e tecnologia no universo das feridas complexas as enfermeiras e enfermeiras estomaterapeutas da comissão iniciaram um trabalho intenso em capacitar os profissionais da rede pois o cenário na época era de total falta de incremento baseado em ciência e tecnologias adequadas. Durante 9 anos todas as equipes (mínima para o atendimento, sendo enfermeiro e equipe de enfermagem e médico) das UBS que atendiam pessoas com feridas foram capacitadas. A capacitação contava com a metodologia de Paulo Freire onde o profissional era levado a dividir conhecimentos já adquiridos e aprender com os que ainda não tinham sido apresentados. Além da capacitação, desenvolveram um protocolo que embasasse os profissionais envolvidos com técnicas e insumos baseados em evidência.

Em 2009 esse grupo sente a necessidade em incluir no atendimento a essas pessoas algo mais completo e humanizado, integrando na rede de cuidados pactuações com fluxos de referência e contrarreferência entre os diferentes níveis de atenção à saúde. Com isso entendeu ser primordial implantar serviços de referências para o cuidado avançado através de especialistas enfermeiros em estomaterapia nos ambulatórios e AMA especialidades. Para isso acontecer foi projetada uma lei e homologada em 2009, a Lei Municipal Nº 14.984 de 23 de setembro de 2009 a qual instituiu no âmbito do Município de São Paulo o PROGRAMA DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS ÚLCERAS CRÔNICAS E DO PÉ DIABÉTICO, onde previa a participação de membros titulados da SOBEST. Até 2012 foram implantados 3 protocolos que tiveram repercussão por todo o país, com apresentações em congressos e simpósios estimulando os profissionais a implantarem em seus serviços atendimento de qualidade e segurança. Durante todo esse período muitos procedimentos foram implantados dando ao enfermeiro maior empoderamento como avaliação clínica, terapia tópica, debridamento, coleta de material para cultura da ferida, dentre outros.

A partir de 2021, passada a pandemia, centros especializados no tratamento de lesões de maior complexidade, chamados de POLOS DE CURATIVOS, foram criadas contando com profissionais enfermeiros (as) especialistas em estomaterapia e /ou dermatologia. Na época abriram 26 polos distribuídos pela cidade instalados nos AMAE, Hospital Dia, Ambulatórios de especialidades (AE) e em algumas UBSs. Fluxos foram construídos e estabelecido vagas mínimas garantidas.

O SUS é um dos sistemas mais comentado e avaliado no mundo como sendo o melhor. O enfermeiro com a criação do SUS tem o seu espaço de atuação garantido, incentiva a participação ativa do profissional, faz com que sua atuação seja multidimensional, interdisciplinar e interativa. O enfermeiro estomaterapeuta além disso assume um papel decisivo e fundamental virando um protagonista em projetos inovadores e garantindo uma assistência humanizada, transformando diariamente a vida de milhões de pessoas e provam que, com competência e dedicação, é possível diminuir a dor do próximo e cicatrizar suas feridas.

Segundo pesquisa publicada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2015, a maioria dos profissionais de enfermagem atuam no setor público, correspondendo a 59,3%. Eles estão inseridos em diversos cenários e em todas as complexidades da atenção (baixa, média e alta).

A estomaterapia é muito importante para a rede pública pois garante cuidados especializados a pacientes com estomias, feridas, fístulas e incontinências, promovendo qualidade de vida, autonomia e reinserção social. O enfermeiro estomaterapeuta atua em diferentes níveis de atenção, desde a prevenção até a reabilitação, e é essencial para a sustentabilidade do tratamento, a redução de complicações, custo benefício, e a melhoria do prognóstico desses pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS).

Referências bibliográficas

1. SANTOS, V.L.C. de G.; SOUZA JR., A.H. da S. Estomaterapia: uma especialidade que emerge para a enfermagem brasileira. Rev. Esc. Enf. USP.. v. 27., n.l., p. 9-14, abr. 1993.
2. SANTOS VLCG. A estomaterapia através dos tempos. In: Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: Cuidando do ostomizado. São Paulo: Atheneu, 2000
3. PORTARIA SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE – SMS Nº 4.995 DE 13 DE DEZEMBRO DE 2002. Acessada em 16 de setembro de 2025. https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-secretaria-municipal-da-saude-4995-de-13-de-dezembro-de-2002/consolidado
4. Backes DS, Backes MS, Erdmann AL, Büscher A. O papel profissional do enfermeiro no Sistema Único de Saúde: da saúde comunitária à estratégia de saúde da família. Ciência saúde coletiva [Internet]. 2012Jan;17(1):223–30. Acessado em 16/09/2025 https://www.scielo.br/j/csc/a/B4YNT5WFyKmn5GNGbYBhCsD/?format=pdf&lang=pt

Soraia Rizzo

Enfermeira Estomaterapeuta TiSobest, Implantou o PROGRAMA PROIBIDO FERIDAS Na Secretaria Municipal da Saúde de SP, Enfermeira Tele consultora para assuntos de Estomaterapia pela plataforma Telessaúde da AMAZONIA, Sócia proprietária da Skin Healthy, empresa de atendimento domiciliar especializado em Estomaterapia, 1ª tesoureira SOBEST, membro do comitê eleitoral pela COMLHEI, membro do comitê de relações de políticas públicas pelo COMLHEI, membro efetivo da WCET e WOCN

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