Conheça a importância e os benefícios do cateterismo intermitente limpo (CIL) para a pessoas com lesão medular

Conheça a importância e os benefícios do cateterismo intermitente limpo (CIL) para a pessoas com lesão medular

As Diretrizes de Atenção à pessoa com lesão medular (2015), apontam a Lesão da medula espinhal como sendo um evento grave que pode afetar o ser humano como um todo, repercutindo significativamente no físico, psíquico e social dos indivíduos acometidos por este agravo1 .

No Brasil estima-se que anualmente ocorrem cerca de 6 a 8 mil casos sendo que a população atingida é constituída principalmente por jovens do sexo masculino 2.

Dependendo da gravidade e altura do comprometimento medular o indivíduo poderá apresentar alterações motoras, sensitivas e autonômicas que se manifestarão com alteração dos reflexos superficiais e profundos, diminuição ou perda de sensibilidade, alteração ou perda de controle esfincteriano, disfunção sexual e alterações autonômicas como vasoplegia, alteração de sudorese, controle de temperatura corporal entre outras1.

Neste texto pretende-se rever as principais alterações que ocorrem no sistema urinário após a lesão medular e ressaltar a importância do cateterismo vesical intermitente limpo (CIL) como forma de preservar o trato urinário superior, prevenir infeção, promover a continência e a reintegração social destas pessoas.

A medula espinhal é responsável pela condução dos estímulos nervosos pois constitui o elo entre o sistema urinário e o sistema nervoso central. O funcionamento normal deste sistema depende de uma sinergia entre a bexiga e os mecanismos esfincterianos 3,4. A interrupção ocasionada pela lesão medular provoca uma alteração, atualmente denominada: disfunção neurológica do trato urinário inferior (DNTUI)3,4.

Logo após o traumatismo raquimedular (TRM) ocorre o choque medular que pode durar de 4 a 8 semanas. Este período se caracteriza pela contratilidade detrusora, bom volume vesical e baixa pressão no seu interior, necessitando de um cateter para o esvaziamento vesical. Passado o choque medular, e dependendo do tipo e altura da lesão, a bexiga pode se apresentar hiperativa ou hipoativa 3.

No caso da bexiga hiperativa “há grande elevação na pressão detrusora, em razão das contrações vesicais involuntárias contra a resistência do esfíncter uretral externo (dissinergia vesico esfincteriana)” 3. O autor ainda destaca que nestes casos geralmente o colo vesical permanece fechado durante toda a fase de enchimento da bexiga, porém, mesmo quando se encontra aberto não permite o esvaziamento completo da bexiga. Esta condição aumenta o risco de refluxo vesico ureteral que se não for identificado precocemente pode comprometer seriamente a função renal 3.

Ao contrário, na bexiga hipoativa, a pressão detrusora frequentemente é baixa predispondo ao armazenamento de grandes volumes na bexiga, nestes casos pode haver perda urinária por transbordamento 3..

Em ambas as situações pode haver dificuldades para a eliminação espontânea de toda a urina presente na bexiga necessitando de cateterização para promover o completo esvaziamento vesical, visto que a presença de urina residual predispõe à infecção urinária 3.

A cateterização vesical é o padrão ouro para a preservação da função do trato urinário. A educação do paciente para o autocuidado deve ser iniciada o mais breve possível. Além dos aspectos fisiológicos relacionados ao CIL, vale ressaltar que o cateterismo promove a continência e a reintegração social destas pessoas 1,3.

O número de cateterizações depende do volume urinário, da capacidade da bexiga, da ingestão hídrica e do volume residual quando apresentam diurese espontânea. Para se determinar o nº de cateterizações diárias é importante que o paciente preencha o diário vesical, onde se identifica o volume eliminado em cada cateterização, características da urina, se houve perda no intervalo dos cateterismos e outras informações relevantes 5,6. É importante destacar aqui que o volume vesical não deve ultrapassar 400ml 5,6.

De acordo com as Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular (2015), “o manejo da bexiga neurogênica deve garantir esvaziamento vesical a baixa pressão, evitar estase urinária e perdas involuntárias 1”. Esta diretriz ainda aponta que o cateterismo vesical intermitente deve ser instituído de forma mandatória, independente da realização precoce do exame de urodinâmica, desde a alta hospitalar 1.

A experiência de aproximadamente 17 anos atuando como voluntária numa associação de deficientes físicos atendendo indivíduos com lesão medular observamos que em relação ao atendimento, aconteceram mudanças positivas neste período, principalmente no que se refere à maior divulgação sobre o cateterismo intermitente limpo. Acredita-se isto reflete o aumento do número de publicações e a maior divulgação do assunto entre os profissionais.

No início muitos pacientes chegavam na associação sem conhecimento sobre o CIL. Atualmente grande parte nos informa que que foi orientado na instituição onde foi atendido, recebeu alta e foi para casa fazendo cateterismo, porém muitos deixam de fazer procedimento em poucas semanas. Ao perguntarmos sobre os motivos, comumente dizem que conseguem urinar pressionando ou forçando o abdome e às vezes sentem que eliminam urina espontaneamente na fralda. Há ainda aqueles que não conseguem realizar o auto cateterismo por dificuldades no posicionamento, falta de destreza necessitando de auxílio e que nem sempre tem alguém disponível para auxiliá-los.

Estes aspectos foram levantados por Lopes e Lima 6 (2014) no estudo realizado em um hospital de reabilitação da rede Sarah de MG, as autoras investigaram 49 pacientes, destes 44,9% não realizavam o cateterismo antes de ingressarem no serviço. Em relação ao procedimento levantaram que 26,5% necessitavam de ajuda para a cateterização, 73,5% faziam uso de medicamentos anticolinérgicos dos quais apenas 18,4% recebiam a medicação gratuitamente e somente 26,5% recebiam todo o material necessário. A falta de banheiros públicos adaptados, barreiras arquitetônicas, o custo com os materiais e os medicamentos foram as principais dificuldades apontadas pelos pacientes.

Num estudo de revisão realizado com o objetivo de identificar as principais dificuldades relatadas pelos pacientes e cuidadores no uso do CIL, os autores concluíram que a falta de destreza, manifestações da doença de base, falta de infraestrutura, dificuldades no acesso aos materiais e complicações do uso do CIL além de fatores institucionais, socioeconômicos e governamentais podem interferir negativamente, afetar a adesão aos programas de reabilitação vesical 7.

No estudo de Lopes e Lima 6 (2014), dos 49 participantes, 28,2% apresentaram cálculos vesicais acompanhados de hidronefrose e sendo que 18,4% tiveram dilatação ureteral, 20% relataram infecção urinária diagnosticada antes do início do estudo, 12,2% traumatismo uretral e 33% se queixaram de perda de urina mesmo com o uso de anticolinérgicos quando aumentavam a ingestão hídrica.

Um estudo realizado com o objetivo de identificar, analisar e sintetizar as evidências científicas sobre a atuação de enfermagem na QV de crianças e adultos em uso do cateterismo urinário e seus cuidadores no contexto de reabilitação conclui que a “QV apresenta fragilidades em domínios de vida e carece de uma atenção especial do enfermeiro que trabalha por meio de estratégias de cuidado integral, educativas, avaliações periódicas e capacitações do usuário, cuidador e sua equipe”8.

Estes dados são preocupantes, pois no Brasil são poucas as instituições de saúde principalmente públicas que possuem um serviço de referência para receber e acompanhar o paciente com disfunção vesico esfincteriana após a alta hospitalar o que aumenta significativamente o risco de complicações e impactam na qualidade de vida destas pessoas.

Finalizando gostaríamos de ressaltar a importância do conhecimento dos profissionais em especial dos enfermeiros sobre todos os aspectos que envolvem o CIL, pois em algum momento atenderão estas pessoas em hospitais, unidades básicas de saúde, ambulatórios, clínicas, ou consultórios, lembrando que a reabilitação e a melhora a qualidade de vida deles depende de uma abordagem holística, contínua e humanizada.

Referências:

  1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com lesão medular [Internet]. 2015 [citado 2023 fev 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_pessoa_lesao_medular_2ed.pdf
  2. Bernardi DM. Epidemiologic profile of surgery for spinomedullary injury at a referral hospital in a country town of Brazil. Coluna/Columna [Internet]. 2014 [cited  2023  Mar  02] ;  13( 2 ): 136-138. Available from: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-18512014000200136&lng=en.  https://doi.org/10.1590/S1808-18512014130200273
  3. Truzzi JCCI. Bexiga neurogênica. In Dall’Oglio M, Srougi M, Nesrallah JL, Ortiz, organizators. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar de urologia UNIFESP. Barueri, SP: Manole, 2005 p.101-8.
  4. McKibben MJ, Seed P, Ross SS, Borawski KM. Urinary Tract Infection and Neurogenic Bladder. Urol Clin North Am. 2015;42(4):527-36. PubMed PMID: 26475949.
  5. Assis GM, Fraga R. Mello MP, Rosa TS. Cateterismo intermitente limpo. Manual ilustrado de orientação para o adulto. São Paulo: 2022. DOI 10.17605/OSF.IO/H4WNF
  6. Lopes MAL, Lima EDR de P. Continuidade do Cateterismo Vesical Intermitente: pode o suporte social contribuir? . Rev. lat.-am. enferm. [Internet]. 1 de junho de 2014 [citado 2 de março de 2023];22(3):461-6. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rlae/article/view/86600
  7. Orlandin L; Mazzo A; Nardi A; Costa RRO. Dificuldades de pacientes e cuidadores na realização do cateterismo intermitente limpo: revisão de escopo. ESTIMA, Braz. J. Enterostomal Ther., 18: e1520. https://doi.org/10.30886/estima.v18.907_PT
  8. Blanco J, Sousa LA de, Martins G, Bentlin JP, Castilho SS, Fumincelli L. Qualidade de vida e cateterismo urinário no contexto da enfermagem em reabilitação: uma revisão integrativa. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 22º de junho de 2021 [citado 2º de março de 2023];23:66576. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fen/article/view/66576
Ana Rotilia Erzinger

Profª Ana Rotilia Erzinger

Assessora Departamento de Educação da SOBEST

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